quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

A DESPEDIDA DE GARRINCHA

Garrincha jogou apenas meia hora. Tempo suficiente para passar uma bola sob as pernas do uruguaio Bruñel e levar a multidão de quase 132 mil pessoas presente ao Maracanã, a aplaudi-lo por mais de dez minutos, ao dar a volta olímpica que marcava o seu adeus definitivo ao futebol. A despedida de Mané, sobretudo uma sincera e comovente homenagem ao gênio que ajudou – e como – a ganhar duas Copas do Mundo para o Brasil, aconteceu a seis dias do Natal de 1973, foi antes de tudo uma iniciativa de sua mulher, a cantora Elza Soares. E mobilizou famosos e desconhecidos, de artistas a empresários, clubes e entidades, além, é claro, do povo do Rio de Janeiro, que teve a sorte e o privilégio de acompanhar o início e o fim desse que foi chamado, com toda a justiça, a alegria do povo. A idéia era promover uma partida cuja arrecadação seria entregue a Mané, para livrá-lo definitivamente dos problemas que passou a enfrentar depois que a artrose nos joelhos começou a impedi-lo de exercer a sua profissão. Elza e o jornalista Oldemário Touguinhó, do JB, procuraram o ex-jogador Gilbert Pereira de Oliveira, dirigente da Fundação de Garantia ao Atleta Profissional (Fugap), que amparava ex-craques em dificuldade. A entidade semeou o projeto entre a crônica esportiva, todo tipo de gente ligada ao futebol, artistas da MPB e da TV, e conseguiu convencer alguns empresários a bancarem a compra de ingressos para serem distribuídos entre seus funcionários e colaboradores. O superintendente da Administração dos Estádios da Guanabara (Adeg), Sérgio Rodrigues, dispensou o pagamento das taxas para uso do Maracanã, após consulta ao governador do Estado, Chagas Freitas. Logo, a organização do evento formou duas equipes, uma com vários campeões mundiais de 1970, com Mané na ponta-direita, e outra com maioria de estrangeiros em atividade no Brasil. A Confederação Brasileira de Desportos (CBD), enciumada por não ter sido convidada a promover a festa, proibiu o time nacional de vestir a camisa da Seleção, e logo se improvisou uma amarela, com o distintivo da Fugap. Naquela mesma semana, a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) aumentou o preço do barril do produto de US$ 5,09 para US$ 11,65. A decisão começava a mudar definitivamente a economia mundial. Mas o apelo de ver Garrincha, pelo menos ali, era mais forte. O “Jogo da Gratidão” teve três momentos de destaque: a tal bola que Mané enfiou entre as pernas de Bruñel, que, sabe-se hoje, teve o consentimento do lateral, depois a volta olímpica do gênio, e por fim a obra-prima de Pelé, que driblou Pedro Rocha, Forlan, Alex e Reyes, para tocar com sutileza na saída de Andrada. Ninguém lembra do gol de Luis Pereira, que deu a vitória aos brasileiros. Segundo o livro “Estrela Solitária”, de Ruy Castro, a renda do evento foi de Cr$ 1.383.121 (ou 200 mil dólares da época) e Garrincha recebeu, após um punhado de descontos, incluindo, acreditem, Imposto de Renda, líquidos Cr$ 997.931 (ou 166 mil dólares). Em resumo, Mané comprou apartamentos para cada uma das sete filhas, uma casa na Barra da Tijuca, uma Mercedes-Benz usada e a casa de shows “Bigode do Meu Tio”, em Vila Isabel, Zona Norte do Rio, que ele e Elza rebatizaram como “La Boca”. O dinheiro e os bens materiais desapareceram pela inabilidade que ambos mostraram para administrá-los. O craque morreu em 1983, aos 49 anos de idade. Elza segue em plena forma. E a noite de festa continua viva na memória de todos, celebridades e anônimos, que estiveram no Maracanã. A propósito: onde você estava em 19 de dezembro de 1973?

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